Estando na linha da
frente dos cuidados de saúde de toda a população portuguesa, os médicos
enfrentam uma combinação única de desafios que impactam negativamente a sua saúde
mental, afetando tanto especialistas como internos em formação.
Carga de Trabalho Elevada: turnos prolongados e alta carga emocional, nomeadamente em áreas de cuidados intensivos e emergências, com uma consequente privação de sono e supressão das necessidades fisiológicas (comer, dormir, idas ao WC);
Exposição a Trauma e Sofrimento: cuidado diário de utentes em situações de sofrimento agudo, trauma e morte, podendo levar à exaustão emocional e ao desenvolvimento de sintomas de stress pós-traumático;
Pressão Organizacional e Administrativa: expectativas de alta produtividade, burocracia administrativa e falta de recursos, podendo gerar maior frustração e desgaste dos profissionais;
Isolamento Profissional: pela natureza competitiva e individualista da carreira médica, pode levar a sentimentos de solidão e falta de apoio entre os profissionais de saúde;
Estigma Associado ao Pedido de Ajuda: estigma associado ao reconhecimento e à procura de ajuda para problemas de saúde mental entre os médicos, o que pode impedir o acesso a tratamento adequado.
Ao longo do seu percurso
profissional, o impacto cumulativo destes desafios coloca a saúde mental dos
médicos numa situação de vulnerabilidade e fragilidade. A exposição prolongada
a fatores de stress, sem uma manutenção regular e cuidada da sua saúde mental,
poderá levar ao desenvolvimento de condições mais severas ou patológicas,
condicionando, inclusive, a qualidade da sua vida pessoal:
Burnout: caracterizado pela exaustão emocional, despersonalização e diminuição do prazer associado a atividades de lazer;
Depressão e Ansiedade: condições que, muitas vezes, não são reconhecidas ou tratadas devido à relutância em procurar ajuda. O sofrimento emocional nestas situações é, recorrentemente, acompanhado de ideação suicida;
Abuso de Substâncias: recurso a psicofármacos para lidar com o stress, a ansiedade e o cansaço, bem como para atenuar sintomas psicossomáticos;
Perturbação de Stress Pós-Traumático: associado à exposição direta e recorrente a situações de elevado sofrimento, por parte de utentes e colegas, bem como pelo próprio ambiente vivido no contexto hospitalar.
Compreender essas
consequências é essencial para implementar estratégias eficazes de prevenção e
intervenção na Saúde Mental dos profissionais de saúde. A psicoeducação poderá
ser o mote para a mudança, levando à redução do estigma associado à doença
mental junto da comunidade médica, além do acesso a cuidados de saúde mental (Psicologia
e Psiquiatria) que garantam o sigilo e a confidencialidade dos médicos que
procuram este apoio.
Existem, ainda, estratégias
que os próprios médicos poderão adotar para fortalecer a sua regulação
emocional e evitar o desenvolvimento das condições supramencionadas.
Mindfulness e Técnicas de Relaxamento: meditação mindfulness, exercícios de respiração e relaxamento progressivo ajudam a reduzir os níveis de stress e a regular emocionalmente, mesmo que em sessões curtas durante o dia;
Gestão Eficiente do Tempo e Definição de Limites: ter limites claros entre a vida profissional e pessoal, por forma a evitar a sobrecarga e desfrutar de atividades de lazer (saber dizer "não" quando necessário e respeitar momentos de descanso);
Exercício Físico Regular: a atividade física poderá ajudar na redução dos níveis de stress e ansiedade, melhoria do humor e contribuir para uma melhor regulação emocional.
Sono adequado e Tempo de Recuperação: criar uma rotina de sono consistente (existem estratégias específicas para essa regulação no caso de turnos noturnos rotativos), evitar dispositivos eletrónicos antes de dormir e limitar o consumo de cafeína e de álcool;
Pausas regulares: uma alimentação variada e com respeito às pausas para satisfação de necessidades fisiológicas (comer, beber, WC, descanso) poderá contribuir para a estabilidade emocional e a regulação do humor;
Manutenção da rede de suporte: considerar o apoio social como fator de proteção para a saúde mental, procurando um contacto assíduo com amigos, familiares e colegas de profissão para partilhar experiências e aliviar a carga emocional.
Com abordagens que
integrem tanto fatores organizacionais como de intervenção psicológica
individual, é possível melhorar o bem-estar emocional e prevenir a doença mental
entre os profissionais de saúde, nomeadamente na comunidade médica. É crucial
que instituições médicas trabalhem no sentido de criar um ambiente que promova
a saúde mental e ofereça o suporte adequado aos médicos ao longo das suas
carreiras.
Mais do que nunca, é essencial que os médicos reconheçam a importância do autocuidado e da procura de ajuda como um fator de proteção e não como um sinal de fragilidade. A psicoterapia pode fornecer ferramentas para lidar com o stress, a frustração e as exigências emocionais da profissão médica. Se sente que o stress e as dificuldades emocionais estão a afetar a sua saúde mental, procure um profissional de Psicologia para um acompanhamento especializado. Cuidar dos outros começa em nós.
Dr.ª Raquel Gonçalves
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