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O valor terapêutico do Silêncio: pausas intencionais como estratégia para a promoção da Saúde Mental


Num mundo repleto de ruído – notificações constantes, excesso de informação nas redes sociais e a pressão para estar sempre ocupado(a) ou a alcançar objetivos – o silêncio pode parecer um luxo raro. Contudo, pausas intencionais de silêncio são uma ferramenta poderosa para cuidar da sua saúde mental. Neste artigo, exploro o que torna o silêncio tão transformador e partilhamos formas práticas de o incorporar no seu dia a dia.

O silêncio, como ausência de ruído, proporciona vários benefícios ao nível do funcionamento psicológico e cognitivo:

1. Equilíbrio emocional e redução do stress: O silêncio diminui a sobrecarga sensorial e os níveis de cortisol, promovendo um estado de calma e ajudando a regular as emoções.

2. Melhoria da memória, atenção e criatividade: Sem distrações auditivas, o silêncio permite maior foco, estimula a consolidação da memória e aprendizagens, e favorece pensamentos criativos e soluções inovadoras.

3. Regeneração cerebral: O silêncio pode promover a neurogénese (formação de novos neurónios) no hipocampo (estrutura cerebral envolvida nos processos de aprendizagem e de formação/consolidação de memórias), especialmente em ambientes sem estímulos sonoros constantes.

Não obstante, o silêncio é mais do que a ausência de ruído; é um convite para se conectar consigo mesmo, livre de julgamentos ou distrações. Integrar pequenas pausas silenciosas na rotina — seja através de meditação, um minuto de respiração consciente ou um instante num ambiente sereno — pode transformar o seu dia, promovendo clareza, reflexão e bem-estar.


Estratégias práticas para potenciar os benefícios do silêncio

1. Praticar pausas conscientes e conectar com o momento presente

-       Escolha um momento do dia para fazer uma pausa de 2 a 5 minutos.

Sente-se num lugar tranquilo, feche os olhos e concentre-se na sua respiração. Note o ar a entrar e sair, sem tentar mudar nada. Se pensamentos surgirem, observe-os sem se envolver, como se fossem nuvens a passar. Esta prática ajuda a criar um espaço de silêncio interno, mesmo em dias caóticos.

-       Sente-se confortavelmente, feche os olhos e foque-se nos estímulos à sua volta.

Note os sons subtis – o vento, o tiquetaque de um relógio, a sua própria respiração. Se a mente divagar, traga-a gentilmente de volta ao silêncio e aos estímulos externos que ouve. Comece com alguns minutos e aumente gradualmente, se se sentir à vontade. Estes limites ajudam a reduzir a sobrecarga sensorial e a criar oportunidades para o silêncio.


2. Criar ilhas de silêncio: estabelecer limites com o ruído

Identifique pequenos momentos ao longo do dia para se desconectar de estímulos externos e cultivar a tranquilidade:

-       Caminhadas sem estímulos: Faça uma caminhada curta (10-15 minutos) sem ouvir música, podcasts ou atender chamadas. Preste atenção aos sons que o envolvem para se reconectar com o momento ambiente.

-       Pausa reflexiva antes de responder: Antes de enviar um e-mail ou mensagem importante, pare por 30 segundos em silêncio. Use esse tempo para organizar os seus pensamentos e responder de forma mais clara e intencional.

-       Defina momentos específicos, sem interrupções digitais, para criar espaço para o silêncio:

-       Desligue notificações durante pausas curtas: Silencie o telemóvel por 15 minutos enquanto toma um café ou chá. Concentre-se nos aromas, sabores e na sensação de pausa.

-       Refeições sem televisão: Desligue a televisão durante as refeições e saboreie a comida em silêncio. Este exercício promove uma experiência mais mindful e pode abrir espaço para reflexões pessoais ou conversas significativas, se estiver acompanhado.

-       Comece e termine o dia em silêncio digital: Reserve a primeira hora da manhã ou a última antes de dormir como “tempo sem ecrãs”. Use esse período para práticas como meditação, leitura ou simplesmente relaxar sem estímulos digitais.

-       Pausas em ambientes barulhentos: Se trabalha num local ruidoso, use auscultadores com cancelamento de ruído ou encontre um canto tranquilo para uma pausa curta (5-10 minutos).

Estas pausas ajudam a quebrar o ciclo de reatividade e promovem decisões mais conscientes.


3. Usar o silêncio para refletir

A reflexão estruturada é uma ferramenta poderosa. Reserve 5 minutos no final do dia para um “diário de silêncio”. Sente-se num lugar calmo, sem distrações, e escreva sobre o que sentiu ou pensou durante o dia. Pergunte-se:

  • O que correu bem hoje?
  • Que pensamentos ou emoções surgiram com mais intensidade?
  • Como posso abordar esta situação amanhã, de forma mais calma?

O silêncio durante este exercício ajuda a conectar-se com as suas emoções sem a interferência de ruídos externos.

Por fim, gostaria de deixar uma palavra às pessoas que “fogem” do silêncio precisamente para “não pensar/sentir” - utilizando uma forma de evitamento ativo. Para essas pessoas em particular, os estados de silêncio podem ser muito caóticos, podendo existir uma sobrecarga emocional no silêncio. A procura de apoio psicológico pode ser um passo essencial para aprender a lidar com essas experiências de forma mais saudável.

Incorpore o silêncio como um aliado diário e descubra como pausas intencionais podem transformar a sua saúde mental, trazendo clareza, equilíbrio e bem-estar. Se precisar de orientações ou estratégias mais específicas, não hesite em procurar ajuda profissional.

 

Dra. Mariana Correia

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