Já sentiste que, mesmo tendo uma vida estável e sem grandes problemas, continuas a sentir que algo falta para te sentires completo(a) e teres bem-estar? Tens saúde, um emprego seguro, boas relações e momentos de lazer, mas, ainda assim, surge uma insatisfação que não desaparece. Este sentimento é mais comum do que pensamos e pode ter diferentes explicações.
A insatisfação nem sempre é negativa. Em muitos casos, pode ser uma força que nos impulsiona a crescer, a explorar novas oportunidades, a definir novos objetivos e a procurar mais significado para a nossa vida, sem desvalorizar tudo o que já foi conquistado. No entanto, nem toda a insatisfação tem esta função positiva. Quando se torna constante, intensa e irracional, pode impedir-nos de sentir satisfação com o que temos, criando um ciclo de frustração, autocrítica e mal-estar geral.
Um dos fatores que contribui para esta insatisfação é a comparação social, especialmente no mundo digital, onde são expostas “vidas de sonho”. Mesmo que estejamos satisfeitos com a nossa, ao sermos constantemente expostos às conquistas dos outros, podemos começar a sentir que aquilo que temos não é suficiente. O que antes parecia satisfatório deixa de o ser porque vemos alguém com um emprego aparentemente melhor, uma relação mais feliz ou um estilo de vida mais interessante. A felicidade expressa por outra pessoa pode parecer mais evidente ou intensa do que aquela que sentimos pelas coisas boas que temos na nossa vida. Esta comparação pode ser inconsciente, mas tem um impacto significativo na forma como avaliamos a nossa própria vida.
Outro fator que contribui para esta insatisfação é a adaptação hedónica, que explica a tendência que temos para nos habituarmos rapidamente a mudanças, sejam elas positivas ou negativas. No início, alcançar um novo objetivo pode trazer uma grande sensação de satisfação, mas com o tempo essa euforia desaparece e voltamos ao nosso estado emocional habitual. Por exemplo, alguém que trabalha afincadamente para comprar um carro novo, pode sentir-se extremamente feliz nos primeiros meses. No entanto, depois de um tempo, esse carro torna-se apenas parte da rotina e deixa de despertar o mesmo entusiasmo. Esta necessidade constante de novas conquistas, em busca da satisfação, pode levar-nos a uma procura interminável por algo que nos faça sentir completamente felizes, sem nunca conseguirmos alcançar esse estado de forma duradoura.
A insatisfação também pode surgir da ideia errada de que a felicidade é um destino final. Muitas pessoas acreditam que, quando alcançarem determinados marcos, como por exemplo, um bom emprego, um relacionamento estável, uma casa própria, finalmente serão felizes. No entanto, quando atingem esses objetivos e percebem que a felicidade não é constante, podem sentir um vazio inesperado. Isto acontece porque a felicidade não é um estado permanente, mas sim um conjunto de momentos e experiências que oscilam ao longo da vida. Além disso, a conceção de felicidade é subjetiva, e adotarmos ideias de felicidade baseadas nas experiencias ou expectativas dos outros, em vez de construirmos a nossa própria visão, pode levar a frustração. Muitas vezes, ao compararmo-nos com aquilo que é apresentado nas redes sociais ou na vida de outras pessoas, acreditamos que a felicidade está nesses padrões, o que pode resultar em insatisfação mesmo quando atingimos os nossos próprios objetivos.
Criar expectativas irrealistas sobre um estado contínuo de felicidade pode levar a uma frustração constante.
Por outro lado, a falta de objetivos ou de propósito pode ser um fator determinante para esta sensação de insatisfação. Podemos ter uma vida equilibrada e bem-sucedida aos olhos dos outros, mas, se não sentirmos que o que fazemos tem significado para nós, é natural que surja um vazio e consequentemente insatisfação e mal-estar.
A insatisfação desadaptativa pode manifestar-se de várias formas:
- Insatisfação constante com os próprios progressos (por exemplo, quando perde peso, mas, em vez de ficar feliz com a conquista, lamenta-se por não ter perdido mais);
- Procura de perfeição em tudo, o que impede de apreciar o que já foi alcançado;
- Dificuldade em aceitar a forma como os outros agem, criticando constantemente familiares, amigos ou colegas de trabalho;
- Criar metas irrealistas, o que leva a desistir a meio do caminho porque não são avaliados corretamente os recursos que existem para alcançar esses objetivos;
– Intolerância ao erro, culpa excessiva quando algo não corre como esperado e muito tempo para recuperar emocionalmente desses momentos.
Lidar com esta insatisfação implica reestruturar pensamentos sobre a forma como encaramos a vida e as nossas conquistas. Em vez de nos focarmos constantemente no que nos falta, podemos aprender a valorizar mais o que já temos e a definir objetivos claros e realistas. Para alcançar uma maior estabilidade emocional, é importante adotar algumas estratégias, como por exemplo:
- Estabelecer metas realistas e desfrutar do processo até as atingir, mesmo com as imperfeições que surgem;
- Praticar a gratidão, pois permite reconhecer e valorizar as coisas boas da vida, promovendo maior satisfação;
- Reduzir a comparação social e limitar o tempo gasto nas redes sociais e, assim, manter uma perceção mais realista da própria vida;
- Investir em relações saudáveis;
- Procurar um sentido mais profundo para as ações do dia a dia, seja através de hobbies, voluntariado ou outros interesses.
Se sente que a insatisfação constante afeta o seu bem-estar, procurar um profissional de Psicologia pode ser um passo importante para compreender melhor as causas e encontrar formas saudáveis de lidar com ela. Afinal, a insatisfação não precisa de ser um problema, pode ser uma oportunidade para refletir sobre o que realmente importa para si.
Dra. Joana Dias
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