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Será que o ambiente circundante afeta a atenção e a memória das crianças?


No meu último artigo, abordei o papel que as cores podem ter nas nossas emoções, destacando a importância da Psicologia Ambiental.

Inserido ainda na Psicologia Ambiental, hoje trago mais um assunto de potencial interesse para si: A influência que os elementos visuais do ambiente circundante podem ter na atenção e na memória das crianças em idade escolar, e por conseguinte, no seu desempenho académico.

Se vos pedir para pensarem em salas de aula do 1º ciclo, certamente que se recordam de salas coloridas, com vários elementos visuais, como posters, desenhos, trabalhos dos alunos, esquemas, entre outros. Se por um lado o objetivo desses materiais é a estimulação do desenvolvimento cerebral das crianças e a consolidação das suas aprendizagens, por outro lado, de acordo com investigações recentes, esses elementos podem funcionar como distrações*. Para aguçar o vosso interesse sobre esta temática, destaco seguidamente um estudo da minha autoria.

Em 2018, publiquei na Revista Científica Internacional Journal of Experimental Child Psychology, um artigo em co-autoria com a Doutora Josefa Pandeirada**. Neste estudo, que contou com uma amostra de 64 crianças (8-10 anos), verificou-se que estas apresentaram piores resultados em tarefas de atenção e de memória quando estas foram realizadas num ambiente com elementos visuais distrativos, em comparação com um ambiente isento dos referidos elementos visuais. Dado que a memória e a atenção são processos cognitivos essenciais para a aprendizagem, parece evidente (mas ainda carece de investigação) que os ambientes visualmente estimulantes podem afetar negativamente a aprendizagem escolar.

Como investigador e clínico, fico assim numa posição paradoxal e tenho tentado nos últimos anos responder à questão: qual o ponto ótimo de estimulação visual nas salas de aula das crianças e quando é que esta estimulação se torna distratora. Se por um lado é necessária estimulação (nomeadamente visual) para o desenvolvimento das crianças, por outro lado, esta pode também funcionar como distratora.

De qualquer das formas, e enquanto a investigação segue o seu caminho, deixo algumas sugestões que me parecem relevantes e que têm sido apontadas na literatura científica como potenciadoras da aprendizagem.

· Dormir bem: fator muito importante para o sucesso de qualquer atividade, incluindo o desempenho académico.

· Planear as sessões de estudo com pequenos intervalos para “descansar” o cérebro.

·  Compreender e não memorizar: memorizar informação “só porque sim” leva muitas vezes a que esta seja rapidamente esquecida. Compreender a informação e testar essa compreensão com a realização de exercícios tem-se revelado um dos métodos mais eficazes de estudo das mais variadas disciplinas.

· Ambiente adequado: estar rodeado de objetos que possam distrair pode prejudicar o estudo. Desta forma, é importante evitar locais com televisão, jogos, telemóveis, comida, entre outros.

Embora não vos traga soluções mágicas para proporcionar o ambiente mais propício à atenção e memória das crianças, particularmente quando estas estão a estudar, não devemos esquecer que a investigação tem recentemente salientado que “estimulação a mais” pode ser prejudicial***. Parece que neste campo, como em muitas dimensões da nossa vida, o equilíbrio é o mais importante…resta ainda saber, com exatidão, o ponto ótimo de estimulação visual ambiental que seja benéfico à atenção e memória das crianças e por conseguinte à sua aprendizagem escolar.

Pedro F. S. Rodrigues.

___

*Entende-se por elemento distrator qualquer elemento que estando presente não é necessário para o sucesso de uma tarefa.

** https://doi.org/10.1016/j.jecp.2018.07.014

***Além do estudo de Rodrigues & Pandeirada (2018), um artigo de 2014 já tinha alertado para a possível influência de ambientes visualmente estimulantes em tarefas de aprendizagem realizadas por crianças do pré-escolar. (ver: https://doi.org/10.1177/0956797614533801).

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