Caro leitor,
Alguma vez ouviu falar em depressão? E em sintomatologia depressiva? Sou capaz de apostar que sim, e muito provavelmente, com diferentes graus de exatidão. Primeiro, vamos à base: qual a diferença entre a depressão e a sintomatologia depressiva?
A depressão é uma perturbação do humor, catalogada no DSM-V (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais), que se caracteriza pela presença de sintomas como: humor deprimido, anedonia (falta de prazer), aumento/perda de peso, alterações do sono e da agitação psicomotora, fadiga, sentimentos de desvalorização excessivos, entre outros. Porém, para poder ser equacionada a hipótese de um diagnóstico clínico, é importante atender a muitos mais fatores do que simplesmente a presença de sintomas - o número e intensidade dos mesmos, o grau de comprometimento na vida da pessoa, critérios temporais, comorbidades, a existência ou não de critérios de exclusão, os fatores de risco e prognóstico e os fatores de diagnóstico diferencial também servem de suporte à avaliação. É importante diferenciar, ainda, esta perturbação mental de episódios de vida específicos (por exemplo, um luto), uma vez que podem, concomitantemente, apresentar os mesmos sintomas, sem, no entanto, constituir fundamento para um diagnóstico patológico.
A sintomatologia depressiva, por outro lado, é a presença de alguns dos sintomas da depressão – maioritariamente os que nos fazem sentir deprimidos, tristes ou em baixo - e sentir-se deprimido ou ter sintomatologia depressiva NÃO é ter uma depressão. No entanto, não são raras as vezes em que nos precipitamos num autodiagnóstico, ou pior ainda, num julgamento acerca da pessoa com depressão ou sintomatologia depressiva.
E porque estamos aqui também para tentar desmistificar algumas ideias pré-concebidas acerca da depressão, vamos refletir: quantas vezes já ouviu (ou até mesmo pensou) nas seguintes ideias:
- “Aquele apanhou uma depressão, agora não faz nada da vida.”
- “O que ela quer é não trabalhar.”
- “Eu também não estou bem, mas nem tempo tenho para ter depressões.”
- “Isso é manha, se precisasse mesmo de trabalhar a depressão passava-lhe num instante!”
- “É um incapaz, diz que está com uma depressão, mas não entendo porquê, tem tudo de mão beijada.”
- “É tudo para chamar a atenção.”
- “Pensa positivo que isso passa.”
Parece-lhe remotamente familiar?
Muito se tem falado das questões da saúde mental e da prevalência de psicopatologia no nosso bem-estar enquanto pessoas e sociedade. A depressão anda de boca em boca, mas muitas vezes não é tratada com dignidade. Em alguns dos casos, a compaixão e a empatia não estão presentes quando se fala dela, nem tão pouco a noção de que uma depressão, por muito limitante que seja, é passível de ser trabalhada e até ultrapassada com a ajuda técnica dos profissionais de saúde mental (psicólogos e psiquiatras).
A depressão, como já vimos, não é estar triste. É sim, possível, sentir tristeza (ainda que muito intensa) sem se ter uma depressão. Na verdade, uma parte da população com depressão não considera a tristeza como emoção predominante, mas sim uma sensação de vazio – por vezes, um vazio percecionado como tão grande, que não se tem a perceção de sentir, nem mesmo as emoções de valência negativa (como por exemplo, a tristeza ou o medo).
E quanto à tristeza: não tenha medo dela. É natural sentirmo-nos tristes, não só porque a tristeza é uma das nossas emoções básicas (e já sabe, não deve suprimir as suas emoções), mas também porque ela vem com um propósito. Na pior das hipóteses, faz-nos apreciar com mais intensidade os momentos felizes; mas o seu potencial não se fica por aí. A tristeza dá-nos muitas vezes o mote para a expressarmos, através do choro, por exemplo (que é uma ação fisiológica que, entre outros aspetos, regula a resposta de cortisol no organismo, promovendo o relaxamento e a tranquilidade), pode aproximar-nos das nossas pessoas mais significativas (não só porque estamos mais vulneráveis a pedir a ajuda, mas também porque essa vulnerabilidade é notada por quem está à nossa volta, promovendo uma aproximação do círculo social), e é muitas vezes uma emoção que promove a introspeção como exercício de consciencialização e autorreflexão, agindo, nestes momentos, como um “antídoto” para a impulsividade, viabilizando o crescimento pessoal.
Não caia na falácia de achar que temos sempre de estar felizes ou ter pensamentos positivos. A vida é dinâmica e tem espaço para tudo, incluindo para os momentos de introspeção, recolha e tristeza.
Se já passou ou está a passar por sintomatologia depressiva ou foi diagnosticado/a com depressão, não está sozinho/a. Acolha as suas emoções e permita-se sentir. Seja empático e gentil consigo mesmo/a. E porque a depressão não é uma “simples” tristeza, procure ajuda. Apenas um profissional habilitado – psicólogo ou psiquiatra, podem ajudá-lo a obter um diagnóstico e tratamento adequado.
Dra. Sara Morgado
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