Avançar para o conteúdo principal

A Procrastinação – Compreender a mente por trás do adiamento

 

Certamente já deu por si a adiar tarefas do dia-a-dia – o cesto cheio de roupa para lavar, o email ao qual ainda não deu resposta, ir com o carro à inspeção ou até mesmo começar a cumprir um objetivo que tinha definido para a sua vida. Por vezes adiamos tarefas com base numa gestão de tempo que julgamos ser acertada – definimos prioridades e, perante um cenário no qual não conseguimos lidar com tudo, tomamos a decisão de deixar algo para trás. Mas nem sempre o adiamento de tarefas se prende com uma tentativa de boa gestão dos nossos recursos. Existem coisas que adiamos, sem motivo aparente, e que associamos muitas vezes a falta de tempo, cansaço ou até mesmo preguiça. Serão todos os adiamentos iguais?

A procrastinação é um comportamento autorregulatório disfuncional, amplamente estudado na Psicologia, e que se caracteriza por um adiamento de tarefas ou decisões – mesmo quando estamos conscientes das implicações negativas que esse adiamento pode trazer. Alguns autores referem-na como um atraso intencional, mas contraproducente, de uma tarefa ou decisão. Paradoxalmente, este comportamento tende a manifestar-se quando existe de facto uma intenção ou desejo de cumprir a tarefa ou tomada de decisão, mas sentimos que existe algo que nos trava. É comum em casos de procrastinação a pessoa sentir-se compelida a adiar a tarefa sobre a qual procrastina em detrimento de outras (usualmente não tão prioritárias), mas menos impactantes do ponto de vista emocional – por exemplo, o súbito impulso de ir organizar a gaveta das meias em vez de dar resposta ao email que acabou de entrar na sua caixa de correio eletrónica. Afinal, a gaveta precisa de estar organizada e isso até pode poupar-lhe tempo a preparar-se de manhã, sendo por isso necessário dar-lhe atenção, certo? Esta falsa sensação de controlo que procuramos ao cumprir outras tarefas (também importantes) mas não tão prioritárias, alimenta este ciclo em que acabamos por cair – não fazemos o que gostaríamos de ter feito, criamos a falsa sensação de controlo fabricada pelo súbito cumprimento de outra tarefa, e vamos adiando cada vez mais a tarefa inicial. 

A procrastinação, ao contrário do que usualmente se diz, não é uma questão de preguiça, de desorganização ou má gestão de tempo e está associada a fatores psicológicos mais profundos, como a ansiedade, o medo do fracasso, o perfecionismo e a busca de prazer imediato. No entanto, o lado negro da procrastinação faz-se sentir quando temos de lidar com as consequências do adiamento que promovemos, e esse impacto pode gerar tanta ansiedade e desconforto, que retroalimenta o próximo ciclo de procrastinação de tarefas. 

Se não for corretamente endereçada e trabalhada, a procrastinação não tem tendência a resolver-se por si só e acarreta danos com os quais vai sendo cada vez mais duro lidar – como o comprometimento da saúde mental, a redução do desempenho e o prejuízo nas relações interpessoais e de trabalho. 

Para começar a fazer frente a uma tarefa, existem algumas estratégias simples que pode começar por adotar e que ajudam a diminuir esta resistência, tais como a divisão de um objetivo geral em tarefas mais pequenas (e por isso mais simples de executar) ou fazer pausas conscientes e que permitam um espaço para o descanso e relaxamento entre tarefas. Adicionalmente é importante fazer uma autorreflexão para perceber o que está a promover a procrastinação. A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma ajuda preciosa neste processo, uma vez que é uma abordagem baseada em evidência que trabalha os nossos pensamentos (não esquecendo as emoções subjacentes), reestruturando-os de forma a promover alterações funcionais no nosso comportamento. 

Se se identifica como parte da população que sofre de procrastinação, não hesite e invista na procura de ajuda especializada. A Psicologia está aqui para dar resposta, porque afinal, se há coisa que não devemos adiar é a nossa saúde. 


Dra. Sara Morgado

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Inteligência Emocional na Docência: Estratégias para a promoção da Saúde Mental no contexto escolar

  A docência é, indiscutivelmente, uma profissão de elevada exigência emocional. Todos os dias, Professores e Educadores lidam com situações que exigem uma capacidade empática, de autocontrolo, resiliência e assertividade. Ser professor implica mais do que o domínio dos conteúdos . A prática docente é pautada por diversos fatores geradores de stress e sobrecarga, tais como: ⮚        Gestão de comportamentos desafiantes em sala de aula; ⮚        Pressão de familiares e sociais; ⮚        Falta de valorização profissional; ⮚        Conflitos com colegas ou direção; ⮚        Excesso de tarefas administrativas; A ausência de estratégias adequadas de regulação emocional pode levar a um estado de exaustão , caracterizado por sintomas como cansaço extremo, irritabilidade, isolamento social e sentimentos de inutilidade. Neste co...

Mobbing - nós crescemos (e o Bullying também)

O nosso local de trabalho - e com a palavra “local” refiro-me ao  espaço  de trabalho, que tanto pode ser um gabinete numa empresa como uma secretária na nossa casa - deve, idealmente, ser um espaço de colaboração, respeito, crescimento e segurança. No entanto, muitas pessoas não conseguem ter esta associação tranquila com o seu local de trabalho, associando-o à imagem de um ambiente hostil, inseguro, stressante e intimidante. Quando isto acontece, como consequência de comportamentos de humilhação, intimidação, imposição de regras ou limites injustos e pressão psicológica, estamos perante um cenário de  Mobbing , ou como é conhecido -  Bullying  no local de trabalho.  Com este artigo, vamos conhecer melhor que consequências o  Mobbing  pode trazer consigo, quais são os diferentes tipos, e que estratégias pode começar a aplicar para, dentro dos limites do que está ao seu alcance, fazer do seu local de trabalho um lugar mais feliz e equilibrado. Com...

Bonecas Reborn e a Dor Invisível – o peso de um colo vazio

    As bonecas  reborn , conhecidas pelo seu realismo, surgiram nos Estados Unidos entre o final dos anos 80 e início dos anos 90. Inicialmente, eram resultado do trabalho de artistas que transformavam bonecas convencionais em réplicas muito fiéis de recém-nascidos. Cada detalhe era cuidadosamente trabalhado: desde a pintura da pele, ao cabelo inserido fio a fio, até ao peso e textura corporal, conferindo-lhes uma aparência notavelmente próxima da realidade. O que começou como um passatempo artístico para colecionadores transformou-se num fenómeno com impacto emocional. Com o passar do tempo, estas bonecas começaram a ser usadas em contextos terapêuticos. Em lares de idosos, por exemplo, tornaram-se uma estratégia não farmacológica em situações de demência. A chamada  doll therapy  tem vindo a ser estudada como uma abordagem eficaz na diminuição de sintomas como agitação, ansiedade, agressividade e isolamento. Em alguns casos, verificaram-se melhorias no humor, ...