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O papel da literacia emocional na saúde Mental


Hoje em dia já se começa a ler ou ouvir a expressão “literacia emocional” com relativa frequência. Mas o que é, afinal?

A literacia emocional é um conceito da Psicologia que se refere à capacidade de identificar, compreender, expressar e regular as emoções de forma saudável e eficaz. Desempenha um papel determinante no bem-estar psicológico, nas relações interpessoais e na capacidade de enfrentar os desafios da vida.

Ao contrário do que muitos pensam, a literacia emocional vai além do simples reconhecimento das emoções: envolve a compreensão de como as emoções influenciam os pensamentos e comportamentos, bem como a capacidade de comunicar essas emoções de forma clara. Este conceito baseia-se em competências como:

  1. Perceção emocional: Identificar as próprias emoções e as emoções de outros.
  2. Compreensão emocional: Reconhecer as causas e consequências das emoções.
  3. Expressão emocional: Comunicar emoções de maneira apropriada.
  4. Regulação emocional: Gerir reações emocionais para promover a adaptação.

Segundo Mayer, Salovey e Caruso (2004), estas competências formam a base para a construção de relações saudáveis e para a regulação do stress, sendo essenciais para a resiliência emocional (isto é, para a capacidade de lidar, adaptar e superar momentos desafiantes). Estudos indicam que níveis elevados de literacia emocional estão associados a:

  • Bem-estar psicológico: Pessoas com maior literacia emocional relatam níveis mais baixos de ansiedade e depressão (Gross, 2015).
  • Qualidade das relações interpessoais: A capacidade de compreender e expressar emoções melhora a empatia e reduz conflitos (Brackett & Rivers, 2014).
  • Desempenho académico e profissional: A regulação emocional contribui para a tomada de decisões eficazes e para a gestão de situações de alta pressão (Zeidner et al., 2012).

Além disso, a literacia emocional está associada à prevenção de comportamentos de risco, como abuso de substâncias e agressividade, ao permitir uma resposta mais adaptativa a emoções desagradáveis.


 Contexto Terapêutico

No âmbito da psicoterapia, a promoção da literacia emocional é frequentemente um objetivo terapêutico central. Modalidades, como por exemplo a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), incluem intervenções específicas para melhorar a identificação e regulação das emoções, através de três passos.

  1. Avaliação inicial: Identificar lacunas na literacia emocional, frequentemente associadas a dificuldades em reconhecer ou nomear emoções (alexitimia).
  2. Treino de competências emocionais: Ensinar os clientes a identificar emoções, compreender os seus gatilhos e expressá-las de forma funcional. Por exemplo, programas como o "RULER" (Recognizing - Reconhecer, Understanding - Compreender, Labeling - Nomear, Expressing - Expressar, Regulating - Regular), desenvolvido por Brackett et al. (2019), demonstraram eficácia na melhoria da literacia emocional em populações diversas.
  3. Regulação emocional: Estratégias como a reavaliação cognitiva e a aceitação emocional são integradas para ajudar os clientes a lidar com emoções intensas e que geram maior sofrimento emocional.

Trabalhar a literacia emocional no contexto terapêutico melhora não apenas os sintomas específicos de uma perturbação, como também melhora a capacidade geral de adaptação emocional e social (Southam-Gerow & Kendall, 2002). Sendo um pilar essencial para a saúde mental e o bem-estar, o seu desenvolvimento no contexto terapêutico oferece ferramentas práticas para enfrentar desafios emocionais, promovendo uma vida mais equilibrada e satisfatória.

Seja integrado no tratamento de psicopatologias, no incremento do autoconhecimento ou no ganho de competências específicas, trabalhar a literacia emocional é uma mais-valia a todos os níveis. Procure ajuda profissional ou, no caso de já estar a ser acompanhado(a), leve o tema e coloque as suas dúvidas ao seu profissional de saúde mental, para que possa beneficiar de algumas das ferramentas adaptadas a si.

As nossas emoções são da nossa responsabilidade.

Dra. Laura Alho 



Referências

Brackett, M. A., Bailey, C. S., Hoffmann, J. D., & Simmons, D. N. (2019). RULER: A theory-driven, systemic approach to social, emotional, and academic learning. Educational psychologist, 54(3), 144-161.

Brackett, M. A., & Rivers, S. E. (2014). Transforming students' lives with social and emotional learning. In R. Pekrun & L. Linnenbrink-Garcia (Eds.), International handbook of emotions in education (pp. 368–388). Routledge/Taylor & Francis Group.

Gross, J. J. (2015). Emotion regulation: Current status and future prospects. Psychological Inquiry, 26(1), 1–26.

Mayer, J. D., Salovey, P., & Caruso, D. R. (2004). Emotional intelligence: Theory, findings, and implications. Psychological Inquiry, 15(3), 197–215. 

Southam-Gerow, M. A., & Kendall, P. C. (2002). Emotion regulation and understanding: Implications for child psychopathology and therapy. Clinical psychology review, 22(2), 189-222.

Zeidner, M., Matthews, G., & Roberts, R. D. (2012). The emotional intelligence, health, and well‐being nexus: What have we learned and what have we missed?. Applied Psychology: Health and Well‐Being, 4(1), 1-30.


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