
Vivemos em uma era marcada por excesso: de estímulos, de cobranças, de informações. E, paradoxalmente, uma era também de escassez — de silêncio, de pausa e de propósito. Num meio de tantas distrações, a sensação de vazio existencial tem-se tornado cada vez mais comum.
Mas há um caminho, muitas vezes esquecido, que pode nos reconectar com o essencial: a beleza. Mais do que estética, a beleza pode ser um instrumento profundo de cura emocional, espiritual e até mesmo existencial.
A Logoterapia e Análise Existencial, abordagem psicoterapêutica criada pelo psiquiatra austríaco Viktor Frankl (e sobrevivente de campos de concentração), ajuda a lançar luz sobre esse tema. Segundo Frankl, o ser humano é um ser tridimensional: físico, psíquico e espiritual (ou noético). E é justamente nessa dimensão espiritual onde habitam nossas maiores potências — entre elas, a capacidade de encontrar sentido em qualquer situação.
A dimensão noética é o grande diferencial da teoria logoterápica pois é, em tal aspecto, que habita a vontade de sentido do ser humano e pela qual ele reconhece-se livre e responsável. Um ser que se confronta com as vicissitudes de sua existência, mas decide sobrepujá-las, independentemente de condições históricas, físicas ou psicológicas.
Cada pessoa, portanto, é "biopsicoespiritual" e é o que a torna completa, como explica Frankl: “A essa totalidade, ao ser humano total, pertence o espiritual, e lhe pertence como a sua característica mais específica. Enquanto somente se falar de corpo e mente, é evidente que não se pode estar falando da totalidade.”
Quando o belo toca o espírito
Mesmo em experiências extremas, como os campos de concentração nazistas (onde Frankl esteve), a arte e a beleza mostraram-se capazes de manter viva a dimensão espiritual dos prisioneiros. Havia ali quem cantasse, recitasse poemas e contemplasse o pôr do sol. Ou ainda quem se barbeasse com um caco de vidro a fim de parecer mais apto ao trabalho. Pequenos atos de cuidado e expressão estética que, mesmo sem conforto físico, sustentavam a alma.
Essa força da beleza aparece em situações cotidianas também: ao nos emocionarmos com uma música, ao sermos tocados pela harmonia de uma paisagem ou ao organizarmos um espaço bonito para viver. A beleza, nesse contexto, torna-se um canal de acesso ao nosso interior, ou seja, à nossa dimensão espiritual, atributo apenas do ser humano. Ela nos devolve a capacidade de contemplar e, com isso, nos reposiciona diante da vida.
Cuidar da imagem é também cuidar da alma
Como consultora de imagem e oratória, observo diariamente o impacto emocional que ocorre quando uma mulher passa a se enxergar com mais harmonia e verdade. O vestir, o comunicar-se com autenticidade, o expressar-se com presença… tudo isso tem menos a ver com padrões e mais com coerência interior.
A busca pela imagem ideal não deveria ser um esforço de agradar ao mundo, mas sim um exercício de reconexão com quem se é. Nesse processo, o cuidado estético se transforma em cuidado existencial: a pessoa começa a ver valor em si, a admirar sua própria história, a se reconhecer como alguém capaz de viver com sentido.
A beleza como caminho para o sentido
De acordo com Logoterapia e Análise Existencial, a capacidade e descoberta do sentido se expressam por meio de três caminhos, isto é, três vias que levam a uma possibilidade de sentido: os valores de criação, valores de vivência e valores de atitude.
A Logoterapia afirma que há três caminhos para encontrar sentido na vida:
1. Valores de criação (o que fazemos ou produzimos);
2. Valores de vivência (as experiências em nossa trajetória, como o amor ou a contemplação);
3. Valores de atitude (a postura diante daquilo que não podemos mudar).
A beleza pode estar presente em todos eles. Quando criamos algo belo — uma obra, um lar acolhedor, um visual coerente — ativamos nossos valores criativos.
Quando nos expomos ao belo — por meio da natureza, da arte, da música — exercemos os valores vivenciais. E mesmo em momentos de dor, a atitude de buscar o belo (interno ou externo) pode ser uma resposta madura, responsável e profundamente humana.
Roger Scruton, filósofo britânico, chamava isso de “belezas mínimas”: pequenos detalhes da vida cotidiana que restauram a alma: uma mesa bem posta, um jardim cuidado, um bom par de sapatos. Essas escolhas nos ligam ao que é essencial e nos ajudam a resistir ao caos.
Educação estética é educação para o sentido
Frankl dizia que “vivemos em uma era de sensação de falta de sentido”. Algo escrito em 1948, porém continua muito atual e para a qual ele aponta um caminho: a educação não deve ser apenas uma mera transmissão de conteúdos, mas também deve “aguçar a consciência” para que a pessoa tenha a habilidade necessária de captar a exigência e o sentido de cada situação. Deste modo, a educação estética — ou seja, a formação para perceber e responder ao belo — pode ser uma ferramenta poderosa para isso.
Expor-se à beleza, de forma intencional e cotidiana, fortalece a consciência, amplia a sensibilidade e convida à transcendência. Como dizia São João Paulo II, a beleza é “apelo ao transcendente”, algo que desperta em nós uma saudade do que é eterno, bom e verdadeiro.
Essa dimensão espiritual da beleza — tão esquecida na pressa dos dias — pode nos devolver a inteireza. Ao cultivarmos o belo com consciência, somos levados a desejar o bem, a agir com mais responsabilidade e a buscar, com mais clareza, o que tem verdadeiro sentido.
Uma beleza que transforma
Quando falamos de beleza nesse contexto, não nos referimos à perfeição ou a padrões de beleza, mas àquilo que é harmonioso, íntegro e verdadeiro. A beleza da alma, a beleza dos gestos, a beleza das escolhas conscientes.
Cuidar da imagem pessoal com esse olhar não é futilidade. Ao contrário, pode representar um dos caminhos mais potentes para resgatar a autoestima, a identidade e a força de viver.
Consequentemente, integrar a imagem, o estilo e a comunicação será um grande instrumento para que cada pessoa reencontre sua luz, sua dignidade e sua potência. A beleza cura. E, quando alinhada ao nosso propósito mais profundo, nos conduz para a liberdade de ser quem se é.
Por Gracielle
Reis – Consultora de Imagem Pessoal e Oratória, Jornalista e pós-graduada em
Logoterapia e Análise Existencial
Contactos:
https://www.instagram.com/gracielledasilvareis/
graciellereis@gmail.com
Referências Bibliográficas
FRANKL, Viktor E. “O homem em busca de um sentido”. Alfragide: Lua de Papel, 2012.
“A Presença ignorada de Deus”. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2022.
JOÃO PAULO II. “Carta aos Artistas” (04/04/1999). Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/letters/1999/documents/hf_jp-ii_let_23041999_artists.html. Acesso em 01/12/2022.
SCRUTON, Roger. “Beleza”. São Paulo: É Realizações, 2013.
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