As bonecas reborn, conhecidas pelo seu realismo, surgiram nos Estados Unidos entre o final dos anos 80 e início dos anos 90. Inicialmente, eram resultado do trabalho de artistas que transformavam bonecas convencionais em réplicas muito fiéis de recém-nascidos. Cada detalhe era cuidadosamente trabalhado: desde a pintura da pele, ao cabelo inserido fio a fio, até ao peso e textura corporal, conferindo-lhes uma aparência notavelmente próxima da realidade. O que começou como um passatempo artístico para colecionadores transformou-se num fenómeno com impacto emocional.
Com o passar do tempo, estas bonecas começaram a ser usadas em contextos terapêuticos. Em lares de idosos, por exemplo, tornaram-se uma estratégia não farmacológica em situações de demência. A chamada doll therapy tem vindo a ser estudada como uma abordagem eficaz na diminuição de sintomas como agitação, ansiedade, agressividade e isolamento. Em alguns casos, verificaram-se melhorias no humor, no comportamento e na capacidade de interação social de pessoas com demência que passaram a interagir com estas bonecas de forma regular. Embora os resultados sejam promissores, ainda são necessários mais estudos na área.
O impacto emocional dos bebés reborn, no entanto, não se limita ao contexto geriátrico. Mulheres que viveram experiências de luto gestacional ou enfrentam infertilidade têm encontrado nestas bonecas um recurso simbólico de apoio emocional.
Com a crescente visibilidade nas redes sociais, o fenómeno tornou-se ainda mais presente no imaginário coletivo. Multiplicam-se os vídeos com rotinas de cuidados: dar banho, alimentar, adormecer ou passear estas bonecas como se fossem bebés reais. Embora para alguns, esta prática seja vista com estranheza, para outros representa um vínculo emocional verdadeiro.
Esta exposição pública, no entanto, levanta algumas questões. Há quem reconheça o valor terapêutico, mas também quem aponte riscos, como a dependência emocional ou a dificuldade em distinguir o simbolismo da realidade.
Neste ponto, é essencial o olhar clínico. Embora o uso dos reborn possa ser emocionalmente benéfico em determinados contextos, como por exemplo., na doll therapy e no luto perinatal também pode tornar-se problemático se passar a funcionar como substituto permanente de relações humanas ou como uma forma de esconder sofrimento psicológico não resolvido. Nestes casos, o risco é que a boneca reforce mecanismos de fuga da realidade, especialmente em pessoas que vivem situações de dor profunda. É por isso, fundamental que este tipo de vínculo simbólico seja acompanhado e compreendido no contexto de cada pessoa.
É essencial escutar com genuína atenção aquilo que o bebé Reborn representa para a pessoa. Mais do que um simples objeto, pode ser um suporte simbólico, para um esforço de reorganização interna perante experiências de perda, ausência ou solidão. No entanto, a escuta empática deve ser acompanhada por uma leitura clínica cuidadosa, que permita avaliar se esta forma de vinculação simbólica está a facilitar a elaboração emocional ou, pelo contrário, a cristalizar o sofrimento. Reconhecer a dor é essencial, mas é igualmente importante favorecer processos de integração afetiva que conduzam a um funcionamento emocional mais adaptativo.
Para compreender o impacto emocional que estas bonecas podem ter, é essencial escutar sem julgamento, com atenção genuína ao que representam para cada pessoa. A teoria do apego, proposta pelo psiquiatra e psicanalista John Bowlby, ajuda-nos a entender melhor este tipo de ligação. De acordo com esta teoria, desde o início da vida procuramos vínculos afetivos com figuras que nos transmitam segurança, proteção e estabilidade, aquilo que Bowlby designou como “base segura” (Bowlby,1988). Quando essa base falha ou se rompe, seja por ausência, perda ou luto, procuramos, muitas vezes, alternativas de recuperar esse sentimento de segurança. Nesse sentido, as bonecas reborn podem, para algumas pessoas, representar um objeto simbólico que permite restabelecer um vínculo emocional interrompido ou não resolvido. O modo como esta ligação se constrói deve sempre ser compreendido à luz da história individual de cada pessoa, do seu contexto afetivo e do significado subjetivo que atribui à experiência.
Por isso mesmo, torna-se essencial não romantizar nem generalizar o uso terapêutico dos bebésreborn. Embora possam, em certos contextos, como mencionado anteriormente, funcionar como ferramentas de conforto emocional, é fundamental garantir que esse vínculo simbólico não substitua relações humanas reais, nem se torne numa forma persistente de evitar a dor. Quando o reborn passa a ocupar o centro da vida emocional da pessoa - regulando rotinas, estados de humor e comportamentos como se fosse um bebé verdadeiro - existe o risco de alienação emocional, de reforço de mecanismos de fuga, entre outros. Em vez de promover bem-estar, pode acabar por manter a pessoa isolada, presa num luto não feito ou num sofrimento que permanece silencioso. Escutar com empatia continua a ser essencial, mas deve estar acompanhado de um sentido de responsabilidade, que valorize o simbolismo, sim, mas sem nunca perder de vista a realidade e a saúde emocional de quem o vive.
Referências
Bowlby, J. (1988). A secure base: Parent-child attachment and healthy human development. New York: Basic Books
Dra. Joana Dias
Comentários
Enviar um comentário