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“Ansiedade é apenas preocupação.” Será?


 Dizer que ansiedade é apenas preocupação é o mesmo que dizer que COVID-19 é apenas tosse.

Apesar dos sintomas da COVID-19 deferirem de pessoa para a pessoa, de uma forma geral, as pessoas sabem que a tosse pode ser um sintoma para várias condições respiratórias, além da COVID-19.

De forma semelhante, a preocupação é um dos sintomas de ansiedade, isto é, a assunção de que a ansiedade é apenas preocupação é um mito. Uma das possíveis explicações para este mito, pode dever-se ao facto de a preocupação estar envolvida em várias perturbações de ansiedade. Portanto, para desconstruir este mito, importa diferenciar a preocupação da emoção de ansiedade e da perturbação de ansiedade.

O que é a preocupação?

A preocupação é um processo mental normal que todos experienciamos. Por exemplo, pode preocupar-se com questões simples, como o que vai vestir ou com questões mais complexas tais como, a saúde, dinheiro, trabalho, entre outras.  

Quando se preocupa, geralmente, tende a focar a sua atenção sobre eventos ou situações futuras específicas, avaliando as diferentes possibilidades, isto é, o seu cérebro cria potenciais cenários perante um determinado problema. Ao preocupar-se com algo simples, por exemplo, qual a roupa que vai vestir, tende a pensar em diferentes opções para posteriormente escolher uma delas. Portanto, a preocupação permite-lhe encontrar soluções para um potencial problema e envolve sobretudo a componente cognitiva.

A ansiedade, por sua vez, é uma emoção que envolve quatro componentes: a) emocional, b) fisiológica, c) cognitiva e d) comportamental. Por exemplo, considere o seguinte cenário: imagine que tem uma entrevista de emprego agendada para breve. Ao lembrar-se da mesma pode notar apreensão e medo (exemplos da componente da emocional), sensações como batimento cardíaco acelerado e aperto no peito (exemplos da componente fisiológica), pensamentos como, “o que vão me perguntar?”, “será que vou conseguir responder a tudo?” (exemplos da componente cognitiva) e na sequência disso pode tomar medidas para preparar-se para a entrevista (exemplo da componente comportamental). Perante este cenário, os seus pensamentos são preocupações com a possibilidade do que pode vir a acontecer no futuro, portanto, a preocupação é apenas um dos elementos da resposta de ansiedade. Além disso, neste caso, a emoção de ansiedade é funcional na medida em que o/a motiva a agir para alcançar os seus objetivos.

Contudo, a preocupação pode tornar-se um problema, se ela for excessiva e/ou difícil de controlar. A preocupação excessiva pode contribuir para o desenvolvimento de perturbações de ansiedade como a ansiedade generalizada ou ataques de pânico. Como mencionado no artigo publicado anteriormente, a perturbação de ansiedade é caracterizada por uma resposta de medo e de ansiedade excessiva e persistente, que interfere com o normal funcionamento do indivíduo, isto é, pode experienciar sintomas como perda ou aumento de apetite, problemas de sono (insónia ou hipersónia), comportamentos de evitamento (evitar pessoas, lugares ou tarefas), irritabilidade, despersonalização, desrealização, dificuldades em concentrar-se, entre outras.

Portanto, apesar de a preocupação poder contribuir para o desenvolvimento de várias perturbações de ansiedade, considerar que a ansiedade é apenas preocupação é bastante redutor e leva à desvalorização do seu sofrimento ou do sofrimento do outro.

Caso esteja a ter dificuldades em lidar com as preocupações ou com os sintomas da ansiedade, procure a ajuda de um profissional.

 Dra. Jacqueline Ferreira 


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