Muitas pessoas carregam, de forma consciente ou inconsciente,
um medo profundo de serem abandonadas ou rejeitadas por alguém de quem gostam. Muitas
vezes, este medo tem raízes em experiências prévias que podem marcar a forma
como procuramos parceiros e como nos relacionamos com amigos e familiares.
O Abandono, ou Rejeição (p.e., “mais cedo ou mais tarde vou ser abandonado", "não sou digno de ser amado") é a convicção ou a suposição de que as pessoas significativas para nós vão acabar por nos deixar, rejeitar ou falhar connosco (Young, 1990). Esta premissa pode levar-nos a ficar em alerta constante, numa procura ativa de sinais de afastamento, ou a definir certos padrões na forma como nos relacionamos:
Escolha de parceiros “indisponíveis” – pode sentir-se atraído por pessoas que não estão totalmente comprometidas, reforçando a ideia de que poderá ser deixado e levando a resignar-se ao afeto que o outro está disposto a dar.
Medo de perder o outro – pode surgir a necessidade de proximidade exagerada, acompanhada de ciúme ou necessidade de controlo do parceiro/a.
Relações intensas e instáveis – a relação pode começar com uma forte conexão, mas a insegurança provocada pela crença pode levar ao distanciamento emocional como forma de proteção face à possibilidade de ser rejeitado.
Medo de exclusão em grupos – pode levar a uma hipersensibilidade a sinais de afastamento (p.e., interpretar um atraso numa resposta como sinal de rejeição).
Evitamento de vínculos mais profundos – como forma de reduzir o risco de rejeição, a pessoa pode manter relações superficiais, evitando maior intimidade.
Oscilação entre dependência e afastamento – nas amizades ou no trabalho, pode existir uma tensão entre o desejo de proximidade e a antecipação de rejeição, resultando em comportamentos ambivalentes, isto é, alternar entre a procura de muita proximidade e, ao mesmo tempo, afastar-se por medo de se magoar.
A crença de Abandono/Rejeição tem origem, na maioria
das vezes, em experiências de insegurança na infância – pais que eram
emocionalmente ausentes, separações dolorosas, perda de alguém importante, ou
falta de estabilidade nas figuras de vinculação – mas não é restrita a essa
fase. Ao longo dessas experiências vamos retendo aprendizagens sobre nós, os
outros e o mundo, e construímos a forma como interpretamos aquilo nos acontece
no momento presente. Assim, mesmo quando a situação atual é segura, o medo do
passado continua a influenciar. Estudos têm demonstrado que a crença de
abandono está também associada a dificuldades na regulação emocional e a uma maior
prevalência de sintomatologia depressiva e ansiosa (Renner et al., 2012), uma
vez que pessoas com esta crença tendem a ter mais dificuldade de confiar nos
outros e em manter relações vinculativamente seguras.
Ainda que crenças, como a crença de Abandono/Rejeição,
possam estar na base da forma como pensamos e agimos, não significa que não
seja possível mudar e desenvolver novas crenças mais saudáveis – ao reconstruir
estas crenças, podemos ressignificar essas experiências e aprendizagens e,
consequentemente, desenvolver um novo olhar sobre nós, os outros e o mundo.
A Terapia de Esquemas (Young, Klosko & Weishaar,
2003), integrada na abordagem Cognitivo-Comportamental, tem-se demonstrado
eficaz no reprocessamento cognitivo de experiências adversas e traz a
oportunidade de construir relações mais saudáveis e seguras. Ao percebermos os
padrões de pensamento e comportamentos resultantes desta premissa, é possível
dar voz a outras interpretações, abrindo caminho para novas aprendizagens e,
desse modo, aumentar o nosso autoconhecimento e autoestima. Por outro lado, é igualmente
importante avaliar as causas desses esquemas e, em caso de psicopatologia
associada, a intervenção deverá ser multifacetada.
A crença de abandono é real e sustentada na história
de vida passada da pessoa que o vivencia, podendo influenciar a forma como se relaciona.
Reconhecer esse padrão é o primeiro passo para ganhar uma nova forma de olhar
para si, para o mundo e para os outros. Se sente que as suas relações
interpessoais se enquadram nestes padrões, poderá considerar a ajuda
profissional para desconstruir as crenças inerentes a essas dinâmicas
relacionais. Dessa forma, será possível reformular e construir crenças mais
adaptativas e que lhe permitam viver com mais confiança e segurança em si
próprio e na relação com os outros.
Referências Bibliográficas
Renner, F.,
Lobbestael, J., Peeters, F., Arntz, A., & Huibers, M. (2012). Early maladaptive schemas in
depressed patients: Stability and relation with depressive symptoms over the
course of treatment. Journal of Affective Disorders, 136(3), 581–590.
https://doi.org/10.1016/j.jad.2011.10.027
Young, J. E. (1990). Cognitive
therapy for personality disorders: A schema-focused approach. Sarasota, FL:
Professional Resource Press.
Young, J. E., Klosko, J. S., &
Weishaar, M. E. (2003). Schema therapy: A practitioner’s guide. New
York: Guilford Press.
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