Avançar para o conteúdo principal

Perfecionismo ou produtividade?


Se já passou horas a rever o mesmo email antes de enviar, a ajustar o mínimo detalhe num relatório ou a adiar uma entrega porque “ainda não está suficientemente bom”, este texto é para si.

Muitas vezes, esta atenção ao detalhe pode ser sinal de dedicação e profissionalismo. Porém, há alturas em que o que fazemos não é uma simples revisão com atenção antes de enviar um documento e sim várias leituras na tentativa de encontrar um erro ou uma forma de escrever a mesma coisa que pareça mais correta - levando-nos mais tempo em pequenos detalhes do que era suposto. Quando adicionamos a isto uma ativação emocional (por exemplo de medo, ansiedade ou culpa), podemos estar a deixar a produtividade e a entrar na esfera do perfecionismo. 

O perfecionismo pode ser enganador – faz-nos parecer responsáveis, empenhados e exigentes, para além de ser algo frequentemente reforçado a nível social. No entanto, o perfecionismo pode esconder várias coisas, entre elas a intolerância ao erro, o medo de falhar, de ser criticado ou de ficar aquém das expectativas (nossas e/ou dos outros), bem como uma carga de cansaço emocional que se pode manifestar na mais simples das tarefas, levando-nos a experienciar sintomas de ansiedade quando não sentimos que correspondemos ao que era suposto.

A produtividade, por outro lado, quando é saudável, centra-se na organização, no foco e na intenção, e não no terror de não ter tudo sob controlo. Pode parecer uma diferença mínima, mas a produtividade leva-nos ao progresso, uma vez que o foco está em melhorar com o erro, transformando-o num veículo para inspirar a nossa evolução; o perfecionismo, por outro lado, deixa-nos muitas vezes bloqueados, porque raramente nos faz sentir suficientes. Porém, deixo a ressalva de que a produtividade, quando atinge limiares não saudáveis, também se pode tornar tóxica e levar-nos ao perfecionismo e à procrastinação, pelo que devemos ter em conta este fator.

Com o perfecionismo, estamos muitas vezes num ciclo exigência e autocrítica, de ficar sempre a rever, sempre a adiar, sempre a corrigir - e com sensação de que nada será suficiente. É como correr com cansaço, mas sem nunca cortar verdadeiramente a meta e o pior é que o tempo e a energia podem esgotar-se, mas a sensação de dever cumprido não chega.

Mas como conseguir diferenciar a produtividade e o perfecionismo? Para ajudar a identificar os conceitos, sugiro que reflita e coloque a si mesmo estas questões:

- Estou a tentar fazer o melhor que consigo, ou estou a evitar sentir-me inseguro(a)?

- O que estou a rever vai melhorar a qualidade da minha intervenção, ou serve o único propósito de aliviar a minha ansiedade?

- Consigo ficar satisfeito(a) com o meu progresso, ou só celebro quando termino tudo e sinto culpa se parar antes?

Se a resposta tender para o medo, a culpa ou a autocrítica, é possível que o perfecionismo esteja no comando – no entanto, existem algumas estratégias que pode colocar em prática:

- Defina limites de tempo para cada tarefa e cumpra-os, mesmo que o resultado não pareça perfeito;

- Note o progresso, não coloque o foco atencional apenas no resultado final;

- Trabalhe para aceitar também o “suficientemente bom” – há dias em que isto é o que é possível gerir de forma saudável – e essa reflexão é importante para a sua evolução e aprendizagem pessoal (e não um espelho do seu fracasso);

- Lembre-se: errar faz parte do processo de aprendizagem – que não acontece em ambiente de controlo total. 

O perfecionismo pode ser altamente impactante na nossa vida e carece de um trabalho profundo, para que possamos perceber a sua origem, fatores de manutenção e formas de o gerir. Por este motivo, se se identificou com o que leu hoje, deixo o apelo à procura de um psicólogo, que é o profissional qualificado para o(a) ajudar neste caminho – porque trabalhar em si mesmo(a) é algo essencial ao seu bem-estar, saúde e crescimento (ainda que nem tudo esteja perfeito).

Dra. Sara Morgado

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Inteligência Emocional na Docência: Estratégias para a promoção da Saúde Mental no contexto escolar

  A docência é, indiscutivelmente, uma profissão de elevada exigência emocional. Todos os dias, Professores e Educadores lidam com situações que exigem uma capacidade empática, de autocontrolo, resiliência e assertividade. Ser professor implica mais do que o domínio dos conteúdos . A prática docente é pautada por diversos fatores geradores de stress e sobrecarga, tais como: ⮚        Gestão de comportamentos desafiantes em sala de aula; ⮚        Pressão de familiares e sociais; ⮚        Falta de valorização profissional; ⮚        Conflitos com colegas ou direção; ⮚        Excesso de tarefas administrativas; A ausência de estratégias adequadas de regulação emocional pode levar a um estado de exaustão , caracterizado por sintomas como cansaço extremo, irritabilidade, isolamento social e sentimentos de inutilidade. Neste co...

Mobbing - nós crescemos (e o Bullying também)

O nosso local de trabalho - e com a palavra “local” refiro-me ao  espaço  de trabalho, que tanto pode ser um gabinete numa empresa como uma secretária na nossa casa - deve, idealmente, ser um espaço de colaboração, respeito, crescimento e segurança. No entanto, muitas pessoas não conseguem ter esta associação tranquila com o seu local de trabalho, associando-o à imagem de um ambiente hostil, inseguro, stressante e intimidante. Quando isto acontece, como consequência de comportamentos de humilhação, intimidação, imposição de regras ou limites injustos e pressão psicológica, estamos perante um cenário de  Mobbing , ou como é conhecido -  Bullying  no local de trabalho.  Com este artigo, vamos conhecer melhor que consequências o  Mobbing  pode trazer consigo, quais são os diferentes tipos, e que estratégias pode começar a aplicar para, dentro dos limites do que está ao seu alcance, fazer do seu local de trabalho um lugar mais feliz e equilibrado. Com...

Bonecas Reborn e a Dor Invisível – o peso de um colo vazio

    As bonecas  reborn , conhecidas pelo seu realismo, surgiram nos Estados Unidos entre o final dos anos 80 e início dos anos 90. Inicialmente, eram resultado do trabalho de artistas que transformavam bonecas convencionais em réplicas muito fiéis de recém-nascidos. Cada detalhe era cuidadosamente trabalhado: desde a pintura da pele, ao cabelo inserido fio a fio, até ao peso e textura corporal, conferindo-lhes uma aparência notavelmente próxima da realidade. O que começou como um passatempo artístico para colecionadores transformou-se num fenómeno com impacto emocional. Com o passar do tempo, estas bonecas começaram a ser usadas em contextos terapêuticos. Em lares de idosos, por exemplo, tornaram-se uma estratégia não farmacológica em situações de demência. A chamada  doll therapy  tem vindo a ser estudada como uma abordagem eficaz na diminuição de sintomas como agitação, ansiedade, agressividade e isolamento. Em alguns casos, verificaram-se melhorias no humor, ...