Mesmo estando numa relação, podemos sentir que nos falta alguma coisa – como
se existisse um “vazio” que nunca sentimos ser preenchido. Acreditamos, de
forma consciente ou não, que não teremos as nossas necessidades emocionais
satisfeitas pelos outros. Este sentimento pode acompanhar-nos ao longo da vida,
influenciando a forma como nos vemos, como nos relacionamos e como percebemos a
(in)disponibilidade emocional das pessoas com quem estabelecemos essas relações
(Young, 1990; Young, Klosko & Weishaar, 2003).
A Privação Emocional assenta nesta convicção, de que as
necessidades emocionais fundamentais (p.e. cuidado, empatia e proteção) não
serão atendidas nas nossas relações afetivas. A pessoa sente que,
inevitavelmente, não terá o afeto de que precisa, mesmo quando os outros se
mostram presentes e emocionalmente envolvidos. Esta carência percebida pode
resultar em padrões cognitivos, emocionais e comportamentais, que se mantêm ao
longo do tempo e influenciam escolhas relacionais e estratégias de coping,
i.e., a forma como a pessoa lida com desafios emocionais dentro dessas
relações, incorrendo em comportamentos que possam confirmar esta mesma
convicção:
- Escolha de relações
instáveis/inseguras – pode envolver-se com parceiros ou amigos
emocionalmente distantes, reforçando a crença de que ninguém poderá
exercer esse papel de apoio e afeto.
- Dificuldade em
pedir ajuda – tende a não pedir ajuda, mesmo quando está a sofrer,
pelo receio de ser vista como “demasiado carente”.
- Sentir-se invisível
– interpreta comportamentos neutros como sinais de desinteresse.
- Autossuficiência como
defesa – para evitar a dor de não ser cuidada, pode desenvolver uma
postura de excesso de independência, recusando vulnerabilidade e
afastando-se emocionalmente.
- Procura
(inconsciente) de validação – apesar da postura de autonomia,
internamente existe o desejo de ser vista, cuidada e compreendida.
- Relações afetivas
com baixa reciprocidade – envolve-se em dinâmicas onde dá mais do que
recebe, esperando que o outro, eventualmente, “adivinhe” o que precisa.
A crença de Privação Emocional é desenvolvida ao longo da vida da pessoa,
frequentemente com origem na infância e/ou em contextos onde as necessidades
emocionais não foram atendidas de forma consistente – p.e., pais emocionalmente
indisponíveis, ambientes pouco afetivos ou experiências em que a criança sentiu
que tinha de “crescer depressa” para lidar com as próprias emoções (Calvete,
2014).
Com o tempo, essas vivências condicionam a forma como a pessoa interpreta
o afeto, apoio ou validação recebidos, podendo ter dificuldade em integrar essa
experiência como genuína ou segura. Por outro lado, a Privação Emocional está
frequentemente associada ao aumento do risco de desenvolvimento de sintomas
depressivos e ansiosos (Berglind et al., 2018; Renner et al., 2012; Riso et
al., 2014), sobretudo quando a pessoa acaba por se envolver em relações que confirmam
esta mesma crença repetidamente.
Apesar da persistência destes padrões, a presença desta crença não tem de
ser, necessariamente, determinante para relações futuras. Ao tornar-se
consciente desses padrões poderá abrir espaço para novas experiências
emocionais e relacionais. A Terapia de Esquemas, integrada na Abordagem
Cognitivo-Comportamental, oferece uma intervenção integrada na experiência do
indivíduo que permitirá reprocessar as experiências adversas que deram origem a
esta crença, experimentar outras formas de regulação emocional e promover a
construção de relações mais seguras e recíprocas (Young et al., 2003).
Ao desenvolver novas crenças sobre si e sobre os outros, permite-se abrir
espaço para uma relação mais segura consigo próprio, com o mundo e com os
outros. Se se identifica com estas dinâmicas, ou conhece alguém que se
enquadre, procurar ajuda profissional pode ser um passo determinante para
construir relações afetivas mais seguras e que lhe permitam sentir esse afeto
positivo.
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Young, J. E., Klosko, J. S., &
Weishaar, M. E. (2003). Schema therapy: A practitioner’s guide. Guilford
Press.

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