Aprofundando a minha análise sobre o luto gestacional, dei por mim a refletir sobre o passar do tempo e como a conceção tem vindo a mudar no decorrer do mesmo. Investigando sobre o tema, deparei-me que não só na Europa, como também em Portugal, tem vindo a evidenciar-se um declínio na fecundidade – diminuição do limiar de reprodução – e embora noutrora as condições e os recursos de vida fossem mais escassos, a taxa de natalidade era mais alta do que na atualidade. No final do século XX registou-se na Europa um decréscimo significativo face ao número de filhos concebidos, sendo este agravamento acentuado pelo fator tempo, e idade tardia dos progenitores terem filhos. Em 2012, Portugal registou pela primeira vez um Índice Sintético de Fecundidade com um limiar muito baixo e, devido aos poucos nascimentos, a estrutura populacional mostrou-se consequentemente envelhecida (Mendes et al. 2016).
Muitas mulheres partilham o sonho de serem mães, e outras nem sequer equacionam tal possibilidade, certo é que mulheres, hoje mães, definem este vínculo como uma ligação emocionalmente profunda desde a gestação. A gravidez é um processo desafiante para as gestantes devido às mudanças hormonais, e por consequência alterações físicas – aumento de peso, dos seios, do volume abdominal, entre outras – e psicológicas – na autoestima, na líbido, desenvolvimento de medos e inseguranças em relação ao conjugue, irritabilidade e sentimento de inadequação, entre outras – um período de diversas mudanças que cada mulher vivencia de uma forma diferente. É expectável que toda gravidez evolua favoravelmente no decorrer dos três trimestres, sendo que o segundo trimestre, geralmente tende a ser mais calmo para a gestante porque os sintomas desagradáveis como náuseas, vómitos e fraqueza do primeiro trimestre terão amenizado ou terminado, já a probabilidade de uma gravidez bem-sucedida aumenta. No terceiro e último trimestre de gestação, pode surgir o sentimento de inutilidade ao não conseguir realizar algumas tarefas e a ansiedade pelo nascimento do bebé.
A conceção de um novo ser pode envolver uma
mistura de emoções, nem sempre com um desfecho feliz. A perda gestacional é uma
realidade que diversas mulheres já vivenciaram, é um luto desgarrador que pode
prolongar-se no tempo e por vezes não consumar, culminando inclusive na
desistência de tentar conceber outro filho(a) (Lemos & Cunha, 2015).
Existem diferentes tipo de perda gestacional – aborto espontâneo, morte fetal
(nado-morto), interrupção médica da gravidez ou interrupção voluntária da
gravidez – e classificam-se como perda gestacional precoce ou perda gestacional
tardia.
Tanto a perda gestacional precoce, como a
perda gestacional tardia assumem contornos complexos. Na perda gestacional
precoce, não existe um corpo físico para a realização de rituais fúnebres
situação que dificulta o processo de luto, já na perda gestacional tardia, a
existência de um corpo permite a realização de rituais fúnebres benéficos para
a realização do luto, mas de igual forma extremamente doloroso devido a uma
maior vinculação mãe-bebé. Em ambos os cenários, os progenitores perdem não
“só” o seu filho(a), perdem os sonhos e
expetativas idealizadas junto ao bebé que nenhum outro filho(a) irá substituir.
As reações face à perda gestacional podem
ser percetíveis a nível; emocional – p.ex. tristeza, raiva, culpa,
vazio, solidão; cognitivo – p.ex. baixa autoestima, dificuldades na
concentração e raciocínio, confusão mental; comportamental – p.ex.
agitação, fadiga, choro, isolamento; e fisiológico – p. ex. aperto
no peito, náuseas, dormência, alterações do sono e no apetite, entre outros.
O luto gestacional – processo de resposta da pessoa enlutada face à perda – pode ser vivenciado de uma forma saudável, o que denominamos de luto normativo, ou adotar contornos mais complexos e evoluir para um luto patológico. O acompanhamento psicológico é um recursos e fonte de suporte, que avalia e intervém em ambos os cenários.
Como pode o acompanhamento psicológico ajudar no processo de luto gestacional?
O acompanhamento psicológico pode ajudar a
reconhecer, aceitar, lidar e integrar emocionalmente a perda. Através de uma
avaliação psicológica será possível analisar se estamos perante um luto
normativo ou luto patológico, face às conclusões retiradas delinear-se-á um
plano de intervenção personalizado, com a intenção de trabalhar as dificuldades
da pessoa enlutada, tendo em consideração o seu estado emocional, cognitivo,
comportamental e fisiológico.
No caso de estarmos perante um luto normativo, será realizado um acompanhamento psicológico facilitando à pessoa enlutada as tarefas do luto, para que possa vivenciá-lo de forma saudável. Se pelo contrário estivermos perante um processo de luto patológico, realizar-se-á a terapia do luto, com a finalidade de identificar e resolver os conflitos que possam estar a impedir a realização das tarefas do processo de luto.
O processamento de um luto
gestacional é extremamente doloroso para os progenitores e familiares, banalizar
a dor deste processo impede que este seja realizado de uma forma saudável,
contribuindo assim para o adoecimento. Neste sentido,
sejamos suporte e ofereçamos recursos que possam ajudá-los e ampará-los nesta
caminhada, para que eventualmente voltem a sonhar.
Bibliografia
Lemos, L. F. S., & Cunha,
A. C. B. D. (2015). Concepções sobre morte e luto: experiência feminina sobre a
perda gestacional. Psicologia:
ciência e profissão, 35(4),
1120-1138. https://doi.org/10.1590/1982-3703001582014
Mendes, M. F., Infante, P.,
Afonso, A., Maciel, A., Ribeiro, F., Tomé, L. P., & Freitas, R. B. (2016).
Determinantes da fecundidade em Portugal. Fundação Francisco Manuel dos Santos. http://hdl.handle.net/10174/18754

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