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Solidão vs. Solitude - do Sofrimento ao Autoconhecimento

 

Todos nós, em algum momento da vida, podemos já ter tido períodos em que nos encontrámos sozinhos. Talvez estivéssemos longe de pessoas com quem costumamos contar para nos ajudarem; ou pode ser que, mesmo com pessoas por perto, sentíssemos que estávamos por nossa conta; ou que, mesmo que precisássemos, não estaria lá ninguém para nós; ou ainda que não seríamos a escolha de ninguém.

Estarmos sozinhos é diferente de nos sentirmos sozinhos – a Solidão é, assim, um estado emocional que pode surgir mesmo quando estamos rodeados de pessoas, na medida em que, na sua essência, reside na falta de vínculos seguros e no sentimento de não pertença. É frequentemente vista como uma experiência negativa, sendo associada à sensação de se estar isolado, de não se ser compreendido ou de se sentir desligado (ou emocionalmente distante) dos outros. Por consequência, a solidão poderá potenciar o desenvolvimento de sintomatologia depressiva e ansiedade (Bravata et al., 2024; Liu et al., 2025).

Sentir-se só pode advir de diversos fatores:

Ø  Falta de Relações Seguras e Significativas – Quando não nos sentimos vistos ou valorizados nas nossas relações interpessoais. Por outro lado, sentir dúvida ou insegurança em relação ao papel de alguém na nossa vida pode aumentar a sensação de não pertença.

Ø  Isolamento Social – A distância física ou a falta de oportunidades de interação social podem acentuar sentimentos de solidão. A falta de interação humana regular e significativa pode impactar o bem-estar emocional.

Ø  Baixa Autoestima e Hipercriticismo Quando temos uma imagem depreciativa de nós mesmos e mantemos um discurso interno autocrítico. Isto contribui para o isolamento emocional, podendo fazer-nos duvidar do nosso valor e, por vezes, evitarmos o contacto social por medo da rejeição ou do julgamento.

Ø  Histórico de Experiências Adversas na Infância – Experiências precoces marcadas por negligência, rejeição ou ausência de vínculos seguros estão associadas a um maior risco de desenvolvimento de problemas de saúde mental, incluindo sintomas de ansiedade e sentimentos de solidão (Kascakova et al., 2025).

 

A Solitude, ao contrário da solidão, remete-nos para a escolha consciente de se estar sozinho (mas não necessariamente solitário). Acontece em momentos de conexão connosco mesmos, onde encontramos conforto na nossa própria companhia (comportamento muito apreciado por pessoas introvertidas).

A solitude, desta forma, é um espaço onde podemos desenvolver:

Ø  Autoconhecimento – permite-nos explorar os nossos pensamentos, sentimentos e valores pessoais, contribuindo para o desenvolvimento de um sentido de identidade. Sem a interferência de julgamentos externos, podemos conhecer-nos melhor, entendendo as nossas motivações, desejos e preocupações mais profundas.

Ø  Autoestima – proporciona-nos um ambiente onde nos podemos conectar com a nossa individualidade e com as nossas necessidades emocionais. É um tempo para reconhecermos as próprias conquistas e valor pessoal, independentemente das expectativas externas.

Ø  Autocompaixão – ao estarmos sozinhos, confrontamo-nos com a nossa vulnerabilidade. Isso nos dá a oportunidade de praticar a autocompaixão, sendo gentis e compassivos connosco mesmos, e promovendo um maior equilíbrio emocional e bem-estar.

 

Compreender a diferença entre solidão e solitude pode não apenas transformar a nossa perceção desses momentos, mas também potenciar um desenvolvimento pessoal significativo. Ao mudarmos o paradigma, podemos promover a capacidade de estabelecer relações seguras e significativas, estabelecer limites saudáveis e promover o nosso bem-estar emocional.

 

A psicoterapia pode desempenhar um papel crucial na ressignificação deste sentimento, na medida em que ajuda a entender a solitude como um recurso positivo no autodesenvolvimento e processo de cura. Ao explorar os fatores preditores do sentimento de solidão, podemos reconhecer padrões de pensamento e comportamento que perpetuam esse mesmo sentimento, aprender a estar connosco mesmos de maneira mais compassiva e desenvolvendo uma relação interna de aceitação e cuidado que se reflete nas interações externas.

 

Referências

Bravata, D., Russell, D., Fellows, A., Goldman, R., & Pace, E. (2024). Digitally Enabled Peer Support and Social Health Platform for Vulnerable Adults With Loneliness and Symptomatic Mental Illness: Cohort Analysis. JMIR Formative Research, 8. https://doi.org/10.2196/58263

Kascakova, N., Furstova, J., Hasto, J., & Tavel, P. (2025). Associations of multiple adverse childhood experiences, attachment insecurity and loneliness with physical and mental health difficulties in a representative Slovak sample. Preventive Medicine Reports, 50. https://doi.org/10.1016/j.pmedr.2025.102982

Liu, C., Liu, Y., Liu, C., Lin, R., Wang, X., Zhang, X., Wu, Y., & Wang, D. (2025). The Moderated Mediating Effects of Social Media Identity and Loneliness on the Relationship Between Problematic Internet Use and Mental Health in China: Nationwide Cross-Sectional Questionnaire Study. Journal of Medical Internet Research, 27. https://doi.org/10.2196/57907

 

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