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Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) no Adulto: Compreender e gerir os desafios


É comum associarmos a Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) a crianças, mas muitos adultos também enfrentam os desafios desta condição, o que pode impactar significativamente áreas como trabalho, relacionamentos e bem-estar pessoal. Quando sintomas como dificuldade de concentração, impulsividade ou inquietação persistem na idade adulta e interferem no funcionamento diário, isso pode indicar a presença de PHDA não diagnosticada ou não adequadamente gerida. Quando a PHDA não é adequadamente gerida, os sintomas podem continuar a causar problemas significativos, como dificuldades no trabalho (ex.: desorganização, atrasos), nos relacionamentos (ex.: interrupções constantes, impulsividade) ou no bem-estar pessoal (ex.: frustração, baixa autoestima). Gerir adequadamente envolve procurar diagnóstico, tratamento e estratégias personalizadas para minimizar o impacto da condição e melhorar a qualidade de vida.

O que é a PHDA no adulto?

A PHDA no adulto é uma perturbação do neurodesenvolvimento caracterizada por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou desenvolvimento. Segundo os critérios do DSM-5-TR, para adultos (17 anos ou mais), pelo menos cinco sintomas de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade devem estar presentes por, no mínimo, seis meses, em dois ou mais contextos (por exemplo, casa, trabalho, escola). Esses sintomas devem ter iniciado antes dos 12 anos, não serem melhor explicados por outros transtornos mentais e causarem prejuízo significativo no funcionamento social, académico ou profissional (American Psychiatric Association, 2022). Os sintomas incluem:

  • Desatenção: dificuldade em prestar atenção a detalhes, manter o foco, organizar tarefas, ou lembrar-se de compromissos; tendência a evitar tarefas que exigem esforço mental prolongado; distração por estímulos externos.

  • Hiperatividade e impulsividade: inquietação interna, dificuldade em permanecer parado, falar excessivamente, interromper os outros ou agir sem pensar nas consequências.

A PHDA pode apresentar-se em três formas: predominantemente desatenta, predominantemente hiperativa-impulsiva ou combinada, com gravidade que varia de ligeira a grave. A prevalência em adultos é de cerca de 2,5% a nível mundial, sendo ligeiramente mais comum em homens (1,6:1), embora as diferenças de género sejam menos evidentes na idade adulta (Moura et al., 2020).

Como lidar com a PHDA no adulto?

A PHDA em adultos pode levar a dificuldades como baixa produtividade, problemas relacionais, baixa autoestima e maior risco de comorbidades, como ansiedade ou depressão. Embora o tratamento farmacológico seja frequentemente a primeira linha, segundo uma meta-análise de rede publicada em 2024 no The Lancet Psychiatry, aproximadamente 30% dos adultos com PHDA não respondem plenamente ao tratamento farmacológico isolado. Contudo, a combinação com intervenções não farmacológicas, como a terapia cognitivo-comportamental, eleva a eficácia, alcançando remissão em 50-70% dos casos em 6 a 12 meses, sobretudo quando a estabilização neuroquímica inicial facilita a adesão a intervenções combinadas (Cortese et al., 2024).

Algumas estratégias eficazes incluem:

a) Psicoeducação – Programas individuais ou em grupo que ajudam os adultos a compreender a PHDA, os seus sintomas e o impacto na vida diária. Nestes programas são ensinadas estratégias práticas para gestão de tempo, autorregulação e relações sociais, promovendo autonomia e adesão ao tratamento.

b) Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) – Programas que se focam na gestão de tempo, organização e regulação emocional. São fomentadas técnicas como reestruturação cognitiva e treino de habilidades sociais que ajudam a compensar défices atencionais e executivos (como dificuldade de foco, impulsividade e desorganização), com eficácia demonstrada em estudos controlados. 

c) Exercício físico – Atividades aeróbicas promovem neuroplasticidade e melhoram funções executivas, como atenção e controlo inibitório. Estudos sugerem que o exercício regular é uma estratégia complementar valiosa para melhorar o desempenho cognitivo e o bem-estar geral.

Além disso, ferramentas como agendas digitais, técnicas de divisão de tarefas e práticas de mindfulness podem apoiar a gestão dos sintomas. Dada a elevada prevalência de comorbidades psiquiátricas (cerca de 80% dos casos), é crucial priorizar o tratamento da condição mais severa, como ansiedade ou depressão, para atenuar os sintomas da PHDA. 

Se suspeita de PHDA ou enfrenta dificuldades persistentes, procurar uma avaliação com profissionais especializados é fundamental para um diagnóstico preciso e um plano de tratamento personalizado.

Referências

American Psychiatric Association. (2022). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed., text rev.). American Psychiatric Association Publishing.

Cortese, S., Del Giovane, C., Chamberlain, S. R., Philipsen, A., Young, S. J., Bilbow, A., ... & Hollis, C. (2024). Efficacy and tolerability of pharmacological and non-pharmacological interventions in adults with attention-deficit hyperactivity disorder: A network meta-analysis. The Lancet Psychiatry, 11(10), 816-827. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(24)00196-2

Moura, O., Pereira, M., & Simões, M. R. (2020). Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) no adulto - Diagnóstico, intervenção e desenvolvimento ao longo da vida (1st ed.). Pactor - Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação.


Dra. Mariana Correia

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