Avançar para o conteúdo principal

Fatores de risco e sinais da perturbação depressiva nos idosos

 


Apesar de muitos idosos se sentirem, de uma forma geral, satisfeitos com as suas vidas, a depressão é um problema de saúde com que podem deparar-se e que não deve ser tratada como sendo apenas mais uma maleita da velhice. Ela pode interferir com todos os aspetos da vida da pessoa, podendo, em casos mais graves, levar à morte.

Fatores de risco para a depressão nos idosos

O processo de envelhecimento pode ser acompanhado por várias alterações significativas que podem contribuir para o desenvolvimento desta perturbação. Os fatores de risco mais comuns nesta faixa etária, são: 

  • Problemas de saúde - determinados problemas de saúde, como, a deficiência de certas vitaminas (e.g., vitamina B12), doenças da tiroide, cancro, doença de Parkinson e de Alzheimer, problemas cardiovasculares e esclerose múltipla, podem causar ou exacerbar a sintomatologia depressiva nos idosos. Além disso, certas doenças causam sofrimento de forma prolongada, interferindo com a capacidade da pessoa para realizar as suas atividades diárias, o que pode levar a sentimentos de inutilidade e de falta de esperança, deixando a pessoa mais vulnerável ao desenvolvimento desta perturbação;
  • Reações adversas/ efeitos secundários da medicação - certos medicamentos que são utilizados para o tratamento de determinadas doenças físicas (e.g., doenças cardiovasculares, dores crónicas) também podem contribuir para o desenvolvimento da perturbação depressiva;
  • Situações stressantes e ou traumáticas - situações de perdas (e.g., a morte de familiares, de amigos ou de animais de estimação, o declínio de saúde física, a perda de independência, a reforma), a institucionalização (e.g., dificuldades de integração nos centros de reabilitação, centros de dia ou lares de idosos), bem como situações de violência e ou de negligência podem desencadear ou agravar a sintomatologia depressiva;  
  • Solidão e ou isolamento social - a ausência ou o contacto social reduzido, assim como a sensação de estar sozinho e ou isolado, também podem contribuir para a depressão nos idosos. 

Quais são os sintomas mais comuns nesta faixa etária?

A forma como os sintomas da perturbação depressiva se manifesta pode variar em função da idade, do género e de pessoa para pessoa, o que pode dificultar o reconhecimento dos mesmos. Os idosos, comparativamente aos jovens adultos, geralmente não experienciam a tristeza persistente como sendo um dos principais sintomas da depressão - este fenómeno tem sido descrito como sendo “depression without sadness”. Além disso, apesar dos sintomas emocionais como a culpa e o sentimento de inutilidade serem os mais comuns nos jovens adultos, nos idosos, os sintomas emocionais mais comuns incluem a irritabilidade, a preocupação, a ansiedade, a perda de esperança, a sensação de desamparo e a anedonia (perda de prazer nas atividades que a pessoa gostava de realizar).

Os idosos também apresentam mais queixas físicas e cognitivas do que queixas emocionais. As queixas físicas podem incluir a fadiga, a dor, as alterações no apetite, os problemas de sono e gastrointestinais, a lentificação psicomotora, entre outros. Contudo, estes sintomas são, geralmente, associados a doenças de foro físico, o que pode contribuir para que a perturbação depressiva passe despercebida quer pelas pessoas em geral, quer pelos profissionais de saúde.

Os sintomas cognitivos, por sua vez, podem incluir problemas de memória, dificuldades de concentração, de processamento de informação, no planeamento, na organização, na tomada de decisão e na resolução de problemas. Para além destes sintomas, um outro sintoma cognitivo que é importante ter em atenção é a ideação suicida. À medida que as pessoas envelhecem, é comum elas pensarem e falarem sobre a morte. Contudo, é importante diferenciar esta situação da ideação suicida. Esta última refere-se a pensamentos ou desejos específicos sobre colocar o fim à vida (e.g., pode incluir pensamentos ou expressões como “não vejo razão para continuar”, “queria dormir e não acordar”, “talvez fosse melhor para todos se não estivesse mais aqui”). A ideação suicida é um sinal de alerta que requer uma intervenção imediata para a prevenção de suicídio.

Por fim, mas não menos importante, também podem ser observados sintomas comportamentais, como dificuldades em manter os cuidados básicos (e.g., higiene, alimentação, toma da medicação), redução ou perda de interesse nas atividades sociais ou problemas como consumo de álcool ou de outras substâncias ilícitas.  

Apesar de certas alterações que ocorrem na velhice contribuírem para o desenvolvimento ou para o agravamento da perturbação depressiva nos idosos, como mencionado anteriormente, ela pode levar à morte e, portanto, não deve ser considerada como sendo mais uma maleita da velhice. Por isso, a identificação dos fatores de risco, bem como, o reconhecimento dos sintomas desta perturbação nesta faixa etária é crucial para que a própria pessoa idosa ou os seus cuidadores formais ou informais possam procurar ajuda especializada o mais cedo possível para prevenção de suicídio e para uma intervenção eficaz. A perturbação depressiva é uma condição que deve ser tratada independentemente da faixa etária em que ela se manifeste.

Dra. Jacqueline Ferreira  

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O valor terapêutico do Silêncio: pausas intencionais como estratégia para a promoção da Saúde Mental

Num mundo repleto de ruído – notificações constantes, excesso de informação nas redes sociais e a pressão para estar sempre ocupado(a) ou a alcançar objetivos – o silêncio pode parecer um luxo raro. Contudo, pausas intencionais de silêncio são uma ferramenta poderosa para cuidar da sua saúde mental. Neste artigo, exploro o que torna o silêncio tão transformador e partilhamos formas práticas de o incorporar no seu dia a dia. O silêncio, como ausência de ruído, proporciona vários benefícios ao nível do funcionamento psicológico e cognitivo: 1. Equilíbrio emocional e redução do stress : O silêncio diminui a sobrecarga sensorial e os níveis de cortisol, promovendo um estado de calma e ajudando a regular as emoções. 2. Melhoria da memória, atenção e criatividade : Sem distrações auditivas, o silêncio permite maior foco, estimula a consolidação da memória e aprendizagens, e favorece pensamentos criativos e soluções inovadoras. 3. Regeneração cerebral : O silêncio pode promover a neu...

Saúde Mental na Comunidade Médica: Desafios e Estratégias de Regulação Emocional

  Estando na linha da frente dos cuidados de saúde de toda a população portuguesa, os médicos enfrentam uma combinação única de desafios que impactam negativamente a sua saúde mental, afetando tanto especialistas como internos em formação.  Carga de Trabalho Elevada : turnos prolongados e alta carga emocional, nomeadamente em áreas de cuidados intensivos e emergências, com uma consequente privação de sono e supressão das necessidades fisiológicas (comer, dormir, idas ao WC); Exposição a Trauma e Sofrimento : cuidado diário de utentes em situações de sofrimento agudo, trauma e morte, podendo levar à exaustão emocional e ao desenvolvimento de sintomas de stress pós-traumático; Pressão Organizacional e Administrativa : expectativas de alta produtividade, burocracia administrativa e falta de recursos, podendo gerar maior frustração e desgaste dos profissionais; Isolamento Profissional : pela natureza competitiva e individualista da carreira médica, pode levar a sentimentos de soli...

O paradoxo da insatisfação: Por que é que mesmo tendo tudo, sentimos que nos falta algo?

                 Já sentiste que, mesmo tendo uma vida estável e sem grandes problemas, continuas a sentir que algo falta para te sentires completo(a) e teres bem-estar? Tens saúde, um emprego seguro, boas relações e momentos de lazer, mas, ainda assim, surge uma insatisfação que não desaparece. Este sentimento é mais comum do que pensamos e pode ter diferentes explicações. A insatisfação nem sempre é negativa. Em muitos casos, pode ser uma força que nos impulsiona a crescer, a explorar novas oportunidades, a definir novos objetivos e a procurar mais significado para a nossa vida, sem desvalorizar tudo o que já foi conquistado. No entanto, nem toda a insatisfação tem esta função positiva. Quando se torna constante, intensa e irracional, pode impedir-nos de sentir satisfação com o que temos, criando um ciclo de frustração, autocrítica e mal-estar geral. Um dos fatores que contribui para esta insatisfação é a comparação social, especialmente no...